As últimas semanas foram de intensa agitação judaico-sefaradi. O périplo teve início com um cruzeiro marítimo pelo Caribe com o grupo LadinoKomunitá, criado e liderado com extrema dedicação e empenho pela Sra. Rachel Amado Bortnick. Nascida em Izmir, Turquia, Rachel, praticamente uma adolescente, ganhou uma bolsa para estudar nos Estados Unidos. Mais precisamente em St. Louis, Missouri. Naquela cidade, se viu transformada em uma solitária estrela sefaradi rodeada por uma enorme e vibrante constelação esquenazi, ocasião em que chegaram a duvidar da sua condição judaica por não saber falar ou sequer entender o iídishe.

A jovem não esmoreceu e tratou de se adaptar à nova realidade sem, contudo, abrir mão de sua herança judaica de raiz ibérica. Produziu um curta, em parceria com uma burrequeira de mão cheia que descobriu lá mesmo nos States e também a participação da cantora e guitarrista Judy Frankel Z”l. O filme fez o maior sucesso e foi por seu intermédio que acabei tomando conhecimento do trabalho desenvolvido por ela. Em uma viagem a NY havia adquirido uma cópia na Sephardic House de Manhattan e fiquei encantado com o que vi e ouvi. Afinal, era a história da minha própria família paterna que estava sendo reproduzida na tela.

Conseguimos legendar a película para o português, uma tarefa hercúlea, por não dispormos, sequer, de um roteiro escrito. Era preciso escutar, atentamente, fala por fala e, com o auxílio de um gerador de caracteres, ir anexando as frases já vertidas ao vídeo, para que coincidissem com o que as pessoas estavam pronunciando. Esse filme foi exibido no Primeiro Encontro Sefaradi da Beth-El, no Rio, e fez o maior sucesso entre os descendentes dos izmirlis, istambulis e rodeslis que haviam fundado a instituição. Todavia, os sefaradis de outras origens e os esquenazis presentes ao encontro, que reuniu uma pequena multidão, não curtiram muito o que estava sendo projetado e isso serviu para demonstrar, pelo menos para mim, a importância das raízes étnicas de cada um dos grupos que formam a rica diversidade do povo judeu.

O advento da Internet representou uma verdadeira revolução na aproximação de pessoas e grupos com interesses comuns e Rachel não perdeu tempo. Decidiu fundar o LadinoKomunitá que, segundo suas próprias palavras, “empeso em Novembre de 1999, despues del enkontro de la Autoridad de Ladino en Jerusalem i oy tiene 1500 membros de más de 40 paises”. Estávamos a bordo do gigantesco Breeze, a mais nova embarcação da Carnival Cruises, no rumo das ilhas caribenhas que sediaram – e algumas ainda sediam – importantes coletividades judaicas de origem portuguesa, holandesa e brasileira, com destaque para Curaçau e Aruba, as mais importantes dentre elas.

O GRUPO NO ENCERRAMENTO DO CRUZEIRO
Segundo aprendi com o saudoso José Esquenazi Penidji Z”l, o nome Curaçau nada mais é do que a palavra portuguesa Coração. Essa ilha, visita imperdível para quem curte história judaica, além de sediar uma belíssima sinagoga com o piso inteiramente revestido por areia ao lado de um museu repleto de relíquias históricas, possui um cemitério com centenas de lápides com inscrições em português. Prova inequívoca da importância da presença israelita de origem luso-brasileira tanto no processo de colonização quanto no intenso e contínuo intercâmbio comercial entre o Velho e o Novo Mundo.
Muitas das famílias que se radicaram – e trouxeram o progresso – para aquelas ilhas e o próprio continente centro e sul-americano eram originárias do Nordeste do Brasil. Vinham em busca de refúgio após a retomada de Recife e Olinda pelas forças militares portuguesas e o conseqüente retorno ao obscurantismo religioso que prevaleceu durante grande parte do período colonial em nosso país. Durante o cruzeiro de oito dias tivemos a oportunidade de confraternizar com um grupo de 40 pessoas de diferentes procedências, mas com uma origem judaica ibérica comum a todas elas
O ladino, de língua falada por centenas de milhares de pessoas até à eclosão da Segunda Guerra, se transformou em um idioma em risco de extinção e o trabalho pioneiro de Rachel e seus dedicados parceiros procura salvá-lo dessa morte anunciada. Nos países da diáspora, esse trabalho vem sendo realizado por grupos de estudiosos do idioma, geralmente ligados a instituições culturais e de mídia sefaradis, como o Cidicsef e o E-Sefarad, de Buenos Aires, ao jornal El Amaneser e Salom, de Istambul, à Revista El Djudió, do Centro Hebraico Riograndense, à Fesela, aos diferentes Institutos Cervantes, ligados ao governo da Espanha, ao Confarad e o Grupo de Cultura Sefaradi Angeles y Malahines, do Rio entre muitos outros. Mas será em Israel, na minha opinião, que o ladino poderá voltar a ser falado de forma corrente, exatamente pela diferença entre ele e o ivrit . Não foi por acaso que, dentre os quarenta participantes do Cruzeiro do Ladino Komunitá, a segunda delegação mais numerosa, logo após a norte-americana, fosse constituía por residentes em diferentes cidades de Israel, onde seus membros se reúnem, de forma rotineira e organizada, para avlar (falar), meldar (ler), cantar e, com toda a certeza, fofocar em ladino, pois ninguém é de ferro e sefaradi que se preza adora estar por dentro das últimas novidades.
Nelson Menda – Miami – EUA