O livro narra acerca da formação do judaísmo sefaradita (ibérico) e apresenta e analisa as letras e as melodias de pérolas do canto sefaradita, romansas e coplas medievais, nos idiomas judaicos de origem castelhana:o djudeo español, a haquetía e o ladino. S
efarad é o nome hebraico da Península Ibérica. O termo sefaradi, ou sefardita, ou sefaradita, se refere aos descendentes dos judeus espanhóis expulsos por decreto dos reis de Castela e Aragão, em 1492.
Prefacio
Desde de criança, achava que meus avós, pelo fato de se comunicarem em espanhol, eram argentinos. Morávamos em Porto Alegre e a proximidade geográfica do Rio Grande do Sul com a Argentina e o Uruguai permitia que os sinais de suas potentes antenas, aliados á topografia plana do pampa, entrasse com mais força nos receptores de rádio do que as emissoras líderes do país, como a Nacional e Tupy. A opção de lazer, à noite, era compartilhar os programas das rádios farroupilha, Difusora e Gaúcha com os tangos e boleros das emissoras castelhanas. E dê-lhe tangos e boleros, mas o que fazer? Uma vez ao ano com a família se engalanava para a cerimônia do Pessach, a Páscoa judaica. Minha avó caprichava nos preparativos das komidikas, com destaque para as tapadas, agristadas, fritadas, burrecas, guevos haminados e tantas outras, mas não era permitido degustá-las antes de encerrada a reza, que durava, seguramente, horas e horas. Meu avô, na cabeceira da enorme mesa (que, depois, descobri, não era assim tão grande) comandava a cerimônia, com a leitura cantada da Hagadá, que relatava a fuga dos judeus do Egito, onde eram escravos, a travessia do deserto, que durou quarenta longos anos, até a chegada à terra prometida. Cada um dos convivas, adulto ou criança, contava – e cantava – uma das estrofes, em ladino, ditilografadas em papel de seda bastante amarrotado, que atestava sua antiguidade e autenticidade: «Este es el pan que komieran muestros padres en tierra de afito. Todo el ke tienga ambre ke venga y koma. Todo el que tienga de menester que viega y pasqüe. Este año aki, siervos. E nel viñién, en tieras de Yerushalaym, ijos foros». Na realidade, não estávamos, em sentido figurado, na acolhedora e farta Leal e Valerosa Porto Alegre, mas nas areias do inóspito e hostil Egito dos Faraós. Todavia, mesmo com a fome apertando esperávamos, ansiosos, a chegada do trecho que enumerava as pragas que o criador lançava contra o soberano e que culminou com a morte do seu primogênito. Não que tivéssemos alguma coisa contra a pobre criança, mas a cada praga tínhamos o privilégio de tocar, com a ponta do dedo mindinho, no cálice do delicioso vinho adocicado, quase um suco de uva, que a Vó Maria tinha se esmerado em produzir para a cerimônia. À medida que as gotas iam sendo depositadas, uma a uma, na beirada de cada prato, pronunciávamos uma exclamação impossível de esquecer, mesmo passadas tantas décadas: «Mos Abastava», com o significado de não ter sido preciso despejar tantas desgraças sobre o Faraó e seu súditos. Bastaria uma ou duas e ele, provavelmente, teria libertado os escravos judeus e permitido que saíssem do reino, sob a liderança de seu filho adotivo Moisés, o Moshé Rabeno dos sefaradis. Mas aí a cerimônia não teria o mesmo encanto. Ladino,, pra mim, é música pura e me faz recordar os melhores momentos da minha infância. Agradeço, em meu nome e, seguramente, no dos demais brasileiros, sefaradis e não sefaradis, judeus e não judeus, o privilégio de ter conhecido a Cecilia e seu emprenho em não deixar morrer a língua que foi chamada, com justa razão, de florida.
Sobre el autor
Cecilia Fonseca da Silva
É Licenciada em letras Neolatinas pela UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) e Licenciada em Música pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). Autora de livros didáticos de Espanhol, Publicados pela Imperial Novo Milênio Gráfica e Editora Lt, do Rio de Janeiro, e para a revista El Djudió, de Porto Alegre, sobre a língua e a cultura sefaradi. Coordena o Grupo Angeles y Malahines de Cultura Sefaradi, do CIB (Clube Israelita Brasileiro), do Rio de Janeiro. Dedica-se ao estudo do judeu-espanhol oriental-ladino – e sua divulgação, por meio de palestras e apresentações musicais. É membro da Associação de Professores de Espanhol do Distrito Federal.