Judeus portugueses foram a elite de Hamburgo

Os judeus portugueses que emigraram há cerca quatro século para Hamburgo pertenciam ao escol intelectual do seu tempo, eram cultos e ricos, e aumentaram bastante o poderio do grande porto alemão. Da sua passagem quase já não há vestígios, mas para recordar a sua fascinante odisseia foi inaugurada, no faustoso átrio dos Paços do Concelho, uma exposição intitulada «A Jerusalém do Norte – Judeus Sefarditas em Hamburgo».

Através de uma sequência de quase 50 «placards», percorre-se em imagens a vida das diversas épocas da cultura sefardita em Hamburgo do século XVI, quando ali procuraram abrigo, depois da expulsão ordenada em 1496 por D. Manuel I, até ao trágico final do Holocausto.Aos anos de grande prosperidade, nos século XVII, seguiu-se uma lenta decadência até ao século XX, em que as fases de integração alternaram com as de perseguição. Muitos dos sefarditas (palavra derivada de Sefarad, que em hebraico significa Ibéria), que no Norte da Europa se chamavam «da nação portuguesa» ou «portugueses», eram personalidades na sociedade cosmopolita local, fosse na vida cultural, social ou empresarial.De facto, estes «portugueses» chegaram em vagas sucessivas, sobretudo quando se institucionalizou o tribunal da Inquisição, em 1537. Os principais centros de emigração destes judeus foram Bayonne (França), Antuérpia (Bélgica), Amesterdão (Holanda) e Hamburgo, na Alemanha, todas urbes portuárias em que proliferava o comércio internacional.A sua chegada a Hamburgo, a partir de 1590, foi precedida da fixação em Amsterdão, com as famílias a separarem-se em dois ramos, como foi o caso dos Curiel, com quem o padre António Vieira teve as melhores relações, quando depois da Restauração, ao serviço de D. João IV, visitou as comunidades judaicas de ascendência portuguesa. Os judeus portugueses foram por isso bem recebidos e, depois de instalados, assistiu-se à sua ascensão social e seguiu-se uma fase de grande actividade cultural e económica. A comunidade judaico-portuguesa rapidamente se tornou um importante factor de desenvolvimento comercial e os seus membros mantinham contactos com Portugal e Espanha, através de parentes que ali se mantinham com identidades de cristãos-novos, que os escondiam da alçada do Santo Ofício. Mas era sobretudo com a Índia (Oriental), o Suriname e as Caraíbas, que então faziam parte das designadas Índias Ocidentais, que se processava o grosso do negócio ultramarino.»A época de ouro da comunidade portuguesa em Hamburgo foi entre 1660 e 1780. Os portugueses não eram apenas mercadores de sucesso, mas também reputados médicos, poetas, literatos e rabinos. Eram pessoas muito cultas, a quem Hamburgo deve o interesse pela língua e cultura portuguesas», sublinha Michael Halévy, o grande especialista da história sefardita no porto hanseático e, também, o autor do catálogo da exposição.Na bagagem, os judeus portugueses que rumaram a Hamburgo levaram bibliotecas com os clássicos em grego e latim e muitas obras contemporâneas. Samuel Habas, professor e prestigiado dirigente da comunidade portuguesa de Hamburgo, deixou uma biblioteca com mais de 1100 volumes, a qual, após a sua morte, em 1691, foi leiloada em Amesterdão.O actual Presidente da República, Jorge Sampaio, é ele próprio descendente de uma família de judeus sefarditas marroquinos, os Hassiboni (ver PÚBLICA de 1/12/96), facto a que os organizadores aludem no último «placard» da exposição.Em 1660-1670 ainda havia uma forte comunidade de 600 sefarditas em Hamburgo, mas quando começaram a construir uma sinagoga, em 1673, espalhou-se uma onda anti-semita e o senado da cidade-estado mandou arrasar o edifício, que ainda estava em obras. O declínio cultural e social da comunidade sefardita começou nos inícios do séc. XVIII, em parte devido à ascensão dos judeus vindos da Europa Oriental (asquenazitas).A severa regulamentação anti-judaica, que se agravou ainda mais no finais desse século XVII, tornou Hamburgo uma cidade hostil para os judeus portugueses e foi preciso esperar pela liberalização do século XIX para a vida regressar à normalidade. As reformas liberais trouxeram-lhes o reconhecimento dos direitos de cidadania. Mas, na interpretação de Halévy, chegou demasiado tarde e em 1927 a comunidade já só tinha 150 elementos. Depois, as coisas pioraram. Em 1933, os nazis chegaram ao poder e as famílias judaicas de ascendência portuguesa de Hamburgo começaram a deixar a Alemanha, muitas delas em direcção a Portugal. Lisboa e o Porto tornaram-se verdadeiros portos de abrigo. Ainda durante a guerra, muitos destes judeus saíram de Portugal em direcção à Palestina, a Inglaterra ou aos Estados Unidos.Mas nem todos conseguiram sair a tempo de Hamburgo, alguns foram deportados para os campos de concentração nazis de Theresienstadt, de Auschwitz, Dachau e Lodz, onde vieram a morrer. Quando terminou a II Guerra Mundial, em 1945, já não havia comunidade portuguesa em Hamburgo. A derradeira centena que ficou na cidade morreu nos campos da morte. O regime nazi, além disso, ordenou a demolição das suas sinagogas.Ficou o cemitério da Koenigsstrasse, que sobreviveu por milagre aos bombardeamentos aliados, mas foi repetidamente profanado, realizando-se hoje em dia as visitas apenas por convite. Michael Halévy fez um exaustivo levantamento das suas lápidas e inscrições funerárias, permitindo reconstruir as grandes linhagens da «nação portuguesa» em Hamburgo.

FRANCISCO ASSUNÇÃO, DA LUSA

Fuente: publico.pt

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