CENTRO HEBRAICO por Nelson Menda – Miami, USA

No dia oito de outubro de 1922, o Sr. David Castiel recebeu, em sua residência de Porto Alegre, um grupo de vinte e seis correligionários com a tarefa de  fundar uma Sinagoga Sefaradi na capital gaúcha. A presidência dessa histórica reunião, secretariada pelo Sr. José Sabani, coube ao Sr. David Rassi, que redigiu com caneta de pena e caligrafia impecável a Acta Número 1 da entidade. Nesse encontro foram eleitos, também, o Vice-Presidente da nova sociedade, Sr. Moysés Zouvi, assim como os Secretários Alfredo Maya e Samuel Cohen. A espinhosa missão de Tesoureiro, para uma sociedade que ainda estava por vir ao mundo, foi assumida pelo próprio David Castiel. Para se filiar à nova associação, que recebeu o nome de Centro Hebraico Riograndense, foi estipulada uma jóia de vinte mil réis e fixada uma mensalidade de cinco mil réis para cavalheiros e três mil para damas.

Porto Alegre e seus Jacarandás em Flor

Porto Alegre, à época, contava com 180.000 habitantes, estava em plena primavera e os jacarandás de suas ruas coloriam a cidade com sua exuberante floração. A capital gaúcha já possuía uma pequena e ativa comunidade judaica, majoritariamente esquenazi. E não era para menos. O Rio Grande do Sul tinha sediado dois projetos agrícolas da Jewish Colonization Association, a ICA, com predominância de colonos originários da Rússia e Bessarábia.  Apesar de minoritários perante os judeus provenientes da Europa Central, coube a um sefaradi de origem marroquina, Sr. Salomão Levy, organizar o primeiro miniam de Porto Alegre, em 1909, assim como fundar a pioneira União Israelita, no ano seguinte.

Os sefaradis tinham começado a chegar ao estado para desempenhar as funções de professores e administradores das colônias da ICA de Philippson e Quatro Irmãos. Eram provenientes do Império Otomano que, ao final da Primeira Grande Guerra, encontrava-se em um cruento processo de esfacelamento. Fluentes em ladino, bastante próximo ao português, assim como o francês, aprendido nos bancos da Alliance Israélite Universelle, logo se adaptaram à vida no fértil e hospitaleiro sul do Brasil. Ao contrário da imensa maioria dos imigrantes, que chegavam ao nosso país fugindo à penúria do Velho Mundo, os sefaradis provenientes da Turquia, Grécia e antiga Iugoslávia que aportaram ao Rio Grande do Sul tinham uma condição econômica bastante diferenciada. Abriram sofisticadas lojas dedicadas ao comércio de tecidos finos no centro de Porto Alegre, escolhendo como local de residência a Cidade Baixa, não muito distante de seus negócios. Até à histórica reunião de oito de outubro, realizavam seus cultos, em hebraico e ladino, em espaços alugados à União Israelita e Centro Israelita, sinagogas localizadas no Bom Fim, bairro onde residia a maioria dos esquenazis.

http://firs.com.br/multimedia/memoria.aspx
Sefaradis no Rio Grande do Sul – Firs

Face às peculiaridades das cerimônias religiosas sefaradis e esquenazis os fundadores do Centro Hebraico almejavam construir uma sinagoga onde pudessem preservar a tradição recebida de seus ancestrais.   Depois de acaloradas discussões, uma característica sefaradi, a coletividade adquiriu um terreno na Rua Coronel Fernando Machado, onde erigiu um imponente edifício de três andares e onde funciona, até hoje, o Centro Hebraico Riograndense, carinhosamente chamado de Kal. Foram muitas as dificuldades enfrentadas pela coletividade sefaradi de Porto Alegre nessas nove décadas de existência. A começar pela enorme desproporção entre sefaradis e esquenazis, o que ocasionou uma migração dos primeiros para as sinagogas dos segundos após os inevitáveis casamentos “mistos” sefaradis-esquenazis. O segundo problema foi o esvaziamento demográfico do bairro onde os sefaradis haviam se  estabelecido nos primeiros tempos da migração. O Centro Hebraico teria tudo para se transformar em mais uma entidade fantasma, à semelhança de algumas  sociedades judaicas de outras capitais.

Davi Castiel Menda – Presidente do Centro Hebraico

Um descendente em linha direta do idealizador reverteu essa sombria expectativa ao assumir a Presidência em duas ocasiões distintas. Arregaçou as mangas, montou sua equipe de colaboradores, formada basicamente por familiares dos pioneiros e conseguiu com que o Centro Hebraico voltasse à época de glória sonhada por seus fundadores. Pessimistas de plantão já tinham augurado o fim da sociedade, mas o exemplo do Centro Hebraico pode servir de modelo para muitas instituições judaicas do Brasil. Às vésperas de completar noventa bem vividos anos, a sociedade respira e vende saúde. Tem realizado eventos com grande afluência de público, como palestras sobre o ladino e cerimônias cívicas em homenagem aos Heróis Brasileiros Judeus da Segunda Guerra.

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Platéia do Evento Soldados que Vieram de Longe

Sua Sinagoga, considerada uma das mais bonitas de Porto Alegre, continua atraindo um público interessado em conhecer e seguir o rito judaico sefaradi. O grupo de dança Leakat Darkeinu faz sucesso nos festivais onde tem se apresentado e a revista mensal El Djudió, editada em português, ladino, espanhol e inglês, possui leitores e colaboradores nos quatro cantos do mundo.

El Djudió – Revista Mensal editada pelo Centro Hebraico

O nonagésimo aniversário do Centro Hebraico Riograndense, onde passei parte da infância e adolescência e comemorei meu Bar-Mitzvá, será celebrado em um jantar de gala dia nove de outubro próximo, com a ilustre presença do Embaixador de Israel no Brasil, Sr. Raphael Eldad e Senhora, eles próprios sefaradis dos quatro costados. Parabéns e Mazaltov Centro Hebraico Riograndense, que se prepara, a partir de agora, para marchar firme e forte rumo aos 180 anos.

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Nelson Menda
Miami – USA

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3 comments

  1. Luiz Rassi Junior

    Meu nome e Luiz Rassi Junior
    Sou medico, 57 anos, nascido em Goiania GO e descendente de uma família que veio até onde sabemos do Líbano para o Brasil no final do século 19 de uma aldeia chamada Cheik Taba próxima de Tripoli
    Existem centenas de Rassi no estado de Goiás e Sao Paulo, sendo alguns grafados como Racy, porém todos da mesma região no Líbano.
    Fui criado como cristão ortodoxo que era a religião do meu avo que veio do Líbano.
    Sempre tive uma atracão muito grande pelo judaísmo e um dia minha mulher que teoricamente veio de uma família que pode ser de cristãos novos – Azeredo Coutinho – me disse que havia encontrado Rassi como Sefaradim
    Comprei o livro DICIONARIO DE SOBRENOMES SEFARADIM que deu o NME como referencia e estava lá o sobrenome Rassi.
    Neste site e citado David Rassi
    Gostaria de ter mais informações sobre essa possibilidade
    Grato

    Luiz Rassi Jr

  2. João B. Ventura

    Por duas vezes quando pequeno (creio que em 1949 e 1951, meu pai (Fermino Ventura) foi a Porto Alegre e no final do oficio, ele falou com um Primo dele Sr. Benjamim. Os anos se passaram e na atulidade seguidamente me vem a memória este fato.
    Gostaria de saber se ainda há algum familiar do Sr. Benjamim Ventura.

  3. Buscando raízes, Família Ventura;

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